terça-feira, 5 de novembro de 2013

"O que para a aranha é normal, para a mosca pode ser o caos."



Era uma bela noite, aquela. Só não era melhor pelo fato de eu ter chorado todo o dia. Não fui trabalhar, nem à academia. Meu telefone mostrava 28 ligações perdidas. Passei o dia todo evitando qualquer contato. Precisava daquele tempo só para mim. Então, ainda de jejum, com o rosto inchado e os olhos vermelhos, resolvi sair. Dar uma volta, quem sabe eu melhorasse. Embora não sentisse vontade, a noite me convidava. Eu aprendi a apreciar as trevas, bem como a luz.
Vesti algo preto, a ocasião pedia isso. Saí, sem rumo. Peguei um taxi para o centro e de lá andei sem rumo pelas ruas. Via os jovens andarem animados, entrarem e saírem do metrô. Bem arrumados, preparando-se para suas festas. Me recordo desta minha fase vazia. Sair, encher a cara e dançar até não poder mais. Não costumava me envolver com ninguém em festas. Em festas. Prossegui minha caminhada, atravessei um beco e deixei uma nota qualquer, que nem me dei ao trabalho de olhar o valor, a um mendigo que me abordara. Se não tive medo de um assalto? Ninguém em sã consciência tentaria algo contra mim, especialmente naquela noite. A viela desembocava em uma rua maior, apinhada de bares do inicio ao fim. Não sabia bem onde estava. Na verdade, sequer estava olhando por onde andava. Foi assim que tudo começou.
Trombei com um homem, ele usava uma calça jeans justa e uma camisa de manga branca. Nada me chamou a atenção. Porém eu o encarei e neste momento perdi meu chão. Seus traços me lembravam os dele. Não a cor da pele, muito menos sua estatura. Mas seus lábios, pequenos, finos, daqueles em que você não quer parar de beijar nunca mais. Ele me encarou e sorriu. Eu estava abestalhado, por um segundo imaginei que o próprio estava ali bem na minha frente, olhava para ele, ainda perplexo, em choque. Ele ficou constrangido com meu olhar e sorriu desajeitado, estendeu a mão e se apresento. Retribuí o aperto de mão e disse-lhe o meu. Logo estávamos sentados em uma daquelas mesas bebendo e conversando. 
Não se parecia em nada com quem imaginei, a postura, a voz, e até mesmo o papo, seu cheiro era menos nobre e sua aura, fraca. Seus olhos sequer eram penetrantes, apenas castanhos. Normais. Sem graça. Mas parecia ser um bom rapaz. Ele estava sozinho e chegou cedo para o encontro com os amigos. Conversamos uns quarenta minutos, uma hora? Não sei, perdi a noção do tempo. Tudo em que eu conseguia me concentrar era em seus lábios, o formato de sua barba. Ah, no rosto certo e aquilo me enlouquecia. O movimento de sua boca me hipnotizava e não tardou a eu voltar ao passado. Relembrar o gosto daquele beijo com sabor de cerveja. Eu detesto cerveja, mas é impressionante como nada tinha gosto ruim em sua boca. Ela era mágica... Divina. Resolvi encerrar o assunto, nos despedimos e cada um foi para seu canto. Ao sair, ele me perguntou se eu queria o telefone dele. Trocamos os números. Ainda não sei bem o porquê.
Estava ainda mais atordoado do que quando saí de casa. 
Daí para frente tudo foi muito doloroso. Cada esquina, cada restaurante, cada cinema em que passava em frente me relembrava nossos momentos naqueles lugares. Era como se eles sentissem prazer em ver minhas lágrimas caírem. Eu conseguia ver vida naqueles lugares, vida e prazer pela minha dor. Andei aleatoriamente durante muitos minutos, ou foram horas? Não me assustaria se tivessem sido dias. Revivi cada segundo daqueles últimos meses ao lado dele. Até minhas pernas doerem e minhas lágrimas secarem. Então entrei no primeiro bar que vi, achei um cantinho tranquilo, pedi o drink da casa. Logo fui servido. 
Do outro lado do bar havia um grupo de seis jovens comemorando o aniversário de um deles, ele se destacava pelo sorriso envergonhado por ser o centro das atenções, observei-o. Mal pude acreditar no que estava vendo. Meu estomago revirou, meus dentes cerraram e o ódio me consumiu. Era aquele idiota que um dia feriu o coração do homem por quem eu vina chorando há meses. Encarei-o por minutos, ele não me conhecia, mas eu sabia quem era. Não o achei bonito. Nem por foto e muito menos pessoalmente. Sua aura era agitada, descontraída e feliz. Enquanto causava dores por aí. Tomei uma decisão, chamei o garçom e pedi para que ele entregasse para o rapaz. Fiquei observando. Vi sua reação de surpresa, os risos e brincadeiras dos amigos desconhecidos e ergui meu copo para ele. Ele aceitou, houve cochichos e ele se levanto. Veio até mim agradecendo e eu o convidei para sentar. Ele me chamou a juntar-se a ele. Não poderia ser visto, poderia ser reconhecido. Dei uma desculpa e chamei-o para sair. Peguei seu telefone, paguei a conta e saí.
No dia seguinte liguei para ele e combinamos tudo. Fui ao sótão, abri meu grimório e procurei por um elixir que havia preparado há muito tempo atrás. Não era difícil e em pouco tempo ele estava pronto. Guardei em um frasquinho no bolso. Quando deu nove, tomei banho, me arrumei e fui ao local combinado. Não pôde ser no mesmo bar, seria evidente. Combinei de pegá-lo próximo à sua casa, eu conhecia a região. Levei-o a um bar mais reservado, cuja procedência eu sabia. Sentamos, conversamos e bebemos. Meu feitiço do feromônio era forte e ele não conseguia tirar os olhos de mim, o que me deixava extremamente nauseado. Mas eu havia decidido e iria até o fim. Depois de um longo papo, muitos drinks, ele disse que precisava ir ao banheiro. Era a oportunidade que eu estava esperando. Quando ele saiu, eu derramei o elixir em sua bebida. A cerveja adquiriu um tom alaranjado, mas ele já estava alto e nem iria reparar. Quando voltou, eu sugeri um brinde de aniversário já que não pude ficar na noite anterior. nós brindamos e ele virou toda a cerveja de uma só vez. 
Como todo aquele jogo de interpretação, eu parabenizei ele pela coragem, poucos segundos depois ele já estava enrolando a língua. Eu disse que o levaria para casa, paguei a conta e fomos para o meu carro. Tive de carregá-lo praticamente no ombro da metade do caminho para lá. Joguei-o no banco do carona, contornei, entrei no carro e dei a partida. Ele já estava fora de si quando cheguem em casa. Apertei o botão do controle remoto da garagem e a porta se abriu. Já dentro, com as portas fechadas, peguei-o no colo e o levei para dentro. E joguei seu corpo inerte sobre a mesa. Com uma corda, amarrei seus pés e suas mãos, cada um em um pé da mesa. Peguei uma faca, sentei e esperei que o efeito do elixir passar. Para o meu azar, eu fiz mais concentrado do que devia. Quando soou três e quarenta e nove da manhã ele deu sinais de consciência. Ainda confuso, olhou em meus olhos e perguntou onde estávamos. Não respondi. Levantei, contornei a mesa e fui até ele. Bem próximo de seu rosto, deslisei minha mão pela sua pele. Ele cheirava a álcool e perfume barato. Sua expressão amedrontada me fazia querer rir. Ele notou a faca em minha mão e instantaneamente seus olhos se arregalaram. Aproximei a lâmina prateada de sua face e as lágrimas começaram a escorrer. Não tardou para que se misturassem com seu sangue. 
Delicadamente abri os botões de sua camisa, com uma trouxa de pano eu calei sua boca. O desespero começou a tomar conta dele e inutilmente começou a se debater. Pressionei a faca contra seu abdômen e aquele líquido carmim marchou-a. Não era suficiente, precisava ir mais fundo Ele tentava gritar e permanecia se debatendo. Idiota, apenas estava aumentando sua dor. Retirei a faca de sua carne e lentamente deslisei-a pela sua pele branca, deixando aquele rastro de sangue por onde a encostava. Eu havia prometido não fazer mais, mas vê-lo sorrindo, depois de ter feito tantas lágrimas caírem. Lágrimas que eu queria secar e não pude. Ele merecia sofrer. Morrer, ainda não. Mas sofrer até que eu me cansasse. Ele claramente não sabia o porque de tudo aquilo, sequer sabia quem eu era. Mas não me interessa. Aquilo era uma satisfação imensa e era tarde demais para voltar atras. Toquei seu tórax com a ponta da faca e pressionei, então desci até seu umbigo, abrindo um corte tão profundo que seu sangue começou a escorrer intensamente. Eu podia sentir sua aura se agitando, o medo que ele sentia. A dor. Era isso que eu queria. Aquilo era alimento por mim. ele deveria sofrer nesta noite o que nós dois sofremos durante todo este tempo. 
Em pouco tempo eu havia feito tantos cortes nele quanto havia em meus pulsos. Fui além. Pressionei a faca mais forte. Desta vez, não para rasgar, mas para perfurar. Pude ver metade de sua lâmina desaparecer. Seu corpo tinha espasmos de dor, suas lagrimas jorravam aos montes, só perdiam para o sangue. Estava ficando cansado, ele era entediante, patético até na hora de morrer. E limpar todo aquele sangue daria um trabalho. Decidi por acabar com aquilo. Pousei a faca na mesa, aproximei-me de seu rosto e sussurei ao ouvido: "Em uma próxima vida, não dê o azar de cruzar meu caminho, ou eu juro que poderei fazer isso por anos. hoje não, estou entediado." e encerrei aquilo com um sorriso debochado. Ele tentava falar, gritar e se debatia, ainda. Nem na hora de morrer aquele infeliz conseguia se portar como homem. Talvez ele realmente merecesse tudo aquilo, afinal de contas. Estalei meu pescoço, peguei a faca e pressionei contra seu tórax. Desta vez o intuito era diferente. Eu queria abri-lo, queria fazer doer onde ele fez doer. O sangue jorrava mais do que nunca, meu objetivo estava quase sendo alcançado e ele estava inconsciente, quase sem vida. Consegui alcançar seu coração antes que este parasse de bater. Se estava vivo ou se era apenas um reflexo, eu não sei, mas pude sentir ele parar bem em minha mão.
Neste momento eu me senti como se estivesse possuído. Não possuído, mas era como se aquela besta dentro de mim com quem eu lutei durante toda a minha vida tivesse finalmente conseguido sair. Eu comecei a chorar, não de remorso, mas de ódio. Ódio porque tudo o que e fizesse com ele não me saciaria. Apertei seu coração e puxei-o, separando de seu corpo já sem vida, arremessei-o do outro lado da sala e gritei, permiti-me apenas isso. Gritar e pôr para fora todo o meu ódio, então eu fui até o rádio, coloquei "Sugarland" de Papa Mali, acendi um Black de menta, sentei-me defronte ao corpo daquele imbecil e deixei que a noite me consumisse. Nada daquilo mudaria o passado, mas o prazer em vê-lo sofrendo compensou a dor que outrora eu não pude amenizar.

Quetskya.

Nenhum comentário:

Postar um comentário